Barbosa Portugal Advogados

Por Fernanda Riqueto Gambareli Spinola e Fabio Augusto Nogueira

 Nas últimas semanas, duas decisões do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça agitaram o cenário tributário.

O STF, no julgamento dos Temas 881 e 885 (Recursos Extraordinários 949.297 e 955.227, respectivamente), definiu que o contribuinte que obteve judicialmente decisão individual favorável, já transitada em julgado (ou seja, definitiva, sem novas possibilidades de recurso), para permitir o não pagamento de um tributo, perde automaticamente o direito ao não pagamento diante de nova decisão coletiva do tribunal que autorize a cobrança, em controle de constitucionalidade ou inconstitucionalidade de tributos em Repercussão Geral ou Ação Direta de Inconstitucionalidade.

Assim, a cessação de efeitos da decisão judicial final e definitiva (coisa julgada) é automática diante de uma nova decisão do STF, não sendo necessário que a União ajuíze ação revisional ou rescisória contra o contribuinte que se beneficiava de decisão judicial individual transitada em julgado para não pagar determinado tributo.

Vale ressaltar que o julgamento do STF causa impacto imediato para os contribuintes, pois não houve a modulação dos seus efeitos, de modo que o fisco pode agora cobrar o tributo retroativamente, a partir da data da publicação do julgamento que permitiu a cobrança.

No caso do julgamento da CSLL (RE 949.297 e RE 955.227), por exemplo, diante da ausência de modulação dos efeitos, a União poderá cobrar o tributo desde 2007, trazendo inúmeros prejuízos aos contribuintes que, anteriormente, possuíam decisão já transitada em julgado, em controle difuso, possibilitando o não recolhimento do tributo.

Já a decisão do STJ ocorreu na Ação Rescisória nº 6.015, que reverteu julgamento do próprio Tribunal favorável ao Sindicato das Empresas de Comércio Exterior do Estado de Santa Catarina, no REsp 1.427.246/SC. A decisão proferida no REsp afastava a cobrança de IPI (Imposto Sobre Produto Industrializado) sobre a saída de produtos estrangeiros do estabelecimento do importador.

Mas qual o impacto dessas recentes decisões?

Além da questão financeira, as decisões geram enorme insegurança jurídica.

Isto porque as decisões proferidas por ambos os Tribunais feriram uma garantia constitucional, que é a coisa julgada (artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal).

A coisa julgada decorre do esgotamento ou dispensa das vias recursais, tornando definitiva (imutável e indiscutível) a decisão que enfrentou a questão principal do processo. No caso, diversas empresas garantiram direito ao não recolhimento de determinados tributos, pois detinham decisão favorável transitada em julgado.

Ocorre que os julgamentos do  STF e do STJ acabaram flexibilizando a coisa julgada e colocando em risco todas as matérias de ordem tributária que já foram decididas pelos Tribunais Superiores. Afinal, eventuais oscilações da jurisprudência poderão gerar um impacto financeiro inestimável para as empresas que não estiverem pagando tributo com respaldo decisão judicial transitada em julgado.

Para se ter dimensão do desastre financeiro provocado, no dia posterior ao julgamento do STF, o Grupo Pão de Açúcar, que possuía sentença transitada em julgado autorizando o não recolhimento de CSLL desde o início dos anos 90, informou ao mercado que com a nova interpretação da Suprema Corte terá que efetuar o recolhimento de aproximadamente R$ 290 milhões. Em nota similar, a Embraer divulgou projeção de perda de R$ 1,16 bilhão.

Digna de nota foi a fala do Ministro Barroso para justificar seu voto. Segundo ele, “a partir de 2007, quem não pagou fez uma aposta. As empresas, como regra geral, certamente deveriam estar provisionando ou depositando enquanto não se esclarecia. Quem não se preparou, fez uma aposta no escuro, e aí a gente assume os riscos das decisões que toma.”

É impossível admitir que as empresas realizaram uma aposta, quando na verdade, detinham decisões respaldadas em garantia constitucional: a coisa julgada. Inexiste apostasia quando o contribuinte submete ao Poder Judiciário a análise de um direito que acredita ter e consegue em seu favor decisão judicial, transitada em julgado, que lhe assegura o não pagamento de um tributo e em cumprimento dessa decisão judicial deixa de recolher o tributo. Nessa situação existe apenas a confiança de que, tal como prevê a Constituição Federal, uma ordem judicial é imutável e será respeitada.

Diante do decidido, o contribuinte, além de discutir determinada matéria tributária por anos, após ter decisão favorável transitada em julgado ainda terá que provisionar ou realizar depósito judicial na expectativa de que tal decisão possa ser reformada no futuro?

Por fim, para tentar justificar o injustificável, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) divulgou nota na tentativa de esclarecer os efeitos da decisão do STF sobre a coisa julgada.

Na nota divulgada, a PGFN salientou que a decisão tem como finalidade evitar que decisões em matéria tributária contrárias à Constituição Federal se perpetuem e causem, indefinidamente, injustos desequilíbrios à ordem econômica e à livre concorrência.

Importante ressaltar que a coisa julgada – garantia constitucional estabelecida em cláusula pétrea – não pode ser flexibilizada diante da possibilidade de injustos desequilíbrios à ordem econômica e à livre concorrência.

Ademais, a todo contribuinte é dada a possibilidade de buscar o Poder Judiciário para defesa de seus direitos. Assim, os contribuintes que ingressaram com medidas judiciais por alguma inconstitucionalidade, investiram em um corpo jurídico, tiveram gasto com o acesso ao Poder Judiciário e naquela oportunidade obtiveram êxito, com sentença transitada em julgado, não podem ver uma garantia constitucional (coisa julgada) ser afastada simplesmente porque seus concorrentes, por exemplo, não tiveram a mesma iniciativa em busca da proteção de seus direitos.

Há uma máxima no Direito que diz: “o Direito não socorre aos que dormem”. O Supremo Tribunal Federal, com a flexibilização da coisa julgada, conseguiu igualar todos os contribuintes na mesma posição, invertendo a lógica do bordão jurídico para prejudicar os despertos e socorrer aos sonolentos.

Aqueles que lutaram pelo seu direito e alcançaram uma decisão transitada em julgado, hoje não poderão mais fazer valer tal direito simplesmente porque o Supremo Tribunal Federal, fugindo ao seu dever de guardião da Constituição, sobrepôs à coisa julgada e à segurança jurídica a ganância arrecadatória do Poder Público, pintada pela PGFN como forma de corrigir desequilíbrios à ordem econômica e à livre concorrência.

O cenário se revela ainda mais absurdo porque o artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal estabelece que “a Lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Ou seja, se nem mesmo a Lei pode cessar os efeitos da coisa julgada, como uma decisão do Supremo Tribunal Federal poderá, a partir de agora, fazê-lo?

Infelizmente, o que se viu foi um dos julgamentos mais equivocados que a Suprema Corte já realizou. Não à toa, o Poder Judiciário tem perdido sua credibilidade até mesmo perante os setores mais equilibrados da sociedade.

A sensação predominante deixada aos contribuintes e a todos aqueles que confiam no Poder Judiciário lembra a famosa frase atribuída ao ex-Ministro da Fazenda, Pedro Malan: “No Brasil, até o passado é incerto”.


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