Barbosa Portugal Advogados

Antes mesmo da aprovação por parte da ANVISA para o uso emergencial da vacina contra a COVID-19, o Supremo Tribunal Federal (STF) já havia julgado a obrigatoriedade da vacinação em resposta às Ações Diretas de Inconstitucionalidade que discutiam a possibilidade de recusa à imunização com fundamento em convicções filosóficas ou religiosas.

Como já foi apresentado amplamente na mídia, o STF entendeu que a obrigatoriedade da vacinação não significa imunização forçada, pois o consentimento expresso da pessoa é requisito fundamental para lisura do procedimento de vacinação. Além disso, é vedada a aplicação de medidas invasivas, aflitivas ou coativas aos indivíduos que injustificadamente se recusarem a tomar o imunizante, sendo admissível somente a aplicação de medidas indiretas, como por exemplo, restrição ao exercício de determinadas atividades ou à certos locais, desde que previstas em lei ou dela decorrentes.

E foi a partir desse contexto que surgiram inúmeras questões envolvendo a seara trabalhista, dentre elas, a possibilidade do empregador exigir que seus empregados se vacinem e, em caso de recusa, quais medidas poderão ser implementadas.

Os empregadores podem exigir que seus empregados se vacinem contra a Covid-19?

De antemão é essencial esclarecer que o tema é extremamente polêmico, não existindo consenso entre os operadores do Direito, nem legislação específica regulando o assusto.

Aqueles que defendem que o empregador não pode exigir que seus funcionários se vacinem contra a Covid-19 sustentam que inexiste lei específica regulamentando o tema. Por consequência, ninguém poderia ser compelido a fazer algo não definido previamente em lei, conforme dispõe o princípio da legalidade, presente na Constituição Federal. Ademais, a exigência de vacinação obrigatória violaria o direito individual de escolha do trabalhador.

Já outros defendem a possibilidade do empregador exigir a imunização obrigatória de seus empregados, sustentando a aplicação da decisão do Supremo Tribunal Federal mencionada acima, bem como a prevalência do direito coletivo sobre o individual, visto que o empregado não vacinado poderia colocar em risco a saúde dos demais colegas de trabalho.

Além disso, a Constituição Federal também dispõe que é direito fundamental dos trabalhadores a redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de saúde, higiene e segurança. Em decorrência desse direito, nasce o dever patronal de garantir um ambiente de trabalho seguro e saudável aos seus empregados, o que, em tempos de pandemia, seria efetivado justamente pela exigência de vacinação de todos os empregados.

Vimos que há argumentos fortes tanto contra quanto a favor da imunização obrigatória dos empregados, o que demonstra a existência de considerável controvérsia quanto à questão e certa insegurança jurídica, visto que o Poder Judiciário brasileiro ainda não enfrentou o tema, nem editou qualquer norma para uniformizar o entendimento sobre o assunto.

Na tentativa de dar diretrizes para o enfrentamento do assunto, recentemente o Ministério Público do Trabalho editou um guia técnico interno destinado a auxiliar os procuradores no combate aos impactos da pandemia nas relações laborais.

O documento ressalta a decisão do Supremo Tribunal Federal referente a obrigatoriedade da vacinação e enfatiza a prioridade do direito coletivo frente ao individual, orientando que a vacinação contra a Covid-19 é obrigatório para toda a população, incluindo os trabalhadores.

Ainda, reforça que incumbe ao empregador instituir medidas de conscientização dos funcionários sobre a importância da vacina para sua proteção e de seus companheiros trabalho, esclarecendo, ainda, quais as consequências jurídicas de uma eventual recusa injustificada de imunização. O guia técnico interno, no entanto, não possui caráter vinculante, servindo apenas como mera orientação.

Quais medidas os empregadores poderão implementar diante da recursa injustificada do empregado em se vacinar?

Apesar do Ministério Público do Trabalho admitir a possibilidade de rescisão por justa causa do contrato de trabalho daqueles que se recusem injustificadamente a receber o imunizante, essa medida somente será lícita se respeitar determinado mecanismo previsto no guia técnico.

Inicialmente, o empregador deve informar o empregado sobre os benefícios da vacinação, inclusive disponibilizar atendimento médico ou psicológico especializado visando esclarecer eventuais dúvidas sobre a imunização.

Em seguida, o médico do trabalho deverá realizar uma avaliação clínica do funcionário verificando se há alguma contraindicação médica no uso do imunizante (gestantes, alergias). Em casos positivos, o empregador deverá adotar medidas individuais de proteção, como por exemplo, transferir o funcionário para o regime não presencial.

Caso a recusa infundada persista, mesmo após adoção de todas essas providências, o empregador poderá adotar medidas sancionatórias progressivas, como advertência, suspensão, demissão por justa causa. Essa penalidade máxima somente seria admitida após frustradas todas as outras medidas mais brandas implementadas pelo empregador visando convencer o empregado da importância e benefícios da imunização.

Em todo caso, salienta-se que o procedimento descrito acima é apenas uma recomendação do Ministério Público do Trabalho, não existindo ainda norma, nem jurisprudência regulamentando a temática. A questão, sem dúvida, demandará dos operadores do direito bom senso, razoabilidade, ponderação e, principalmente, análise do caso concreto.

*Por Rafaela de Andrade Macedo


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