Publicada em 1º de abril deste ano, a Lei 14.133/2021, também conhecida como a nova Lei de Licitações, estabelece novas regras para que a União, estados, Distrito Federal e municípios realizem contratações administrativas. Apesar de regular matérias administrativas, a lei também produz reflexos de natureza trabalhista.
Embora inicie sua vigência na data da publicação, a nova lei permite, pelo prazo de dois anos, a vigência em paralelo da antiga lei de licitações (Lei nº 8.666/1993), da lei de licitação na modalidade pregão (Lei 10.520/2002), e do Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC (Lei 12.462/2011). Assim, nos próximos dois anos, o novo e o antigo regime licitatório estarão em vigor, podendo a Administração Pública optar pelo regramento a ser adotado, de modo que os contratos celebrados no referido período serão regidos, até a sua conclusão, pelo regramento adotado como base.
O art. 60 da nova lei prevê um importante estímulo e reconhecimento da relevância dos programas de integridade e de compliance ao dispor, como critério de desempate entre duas ou mais propostas, o fato de o licitante desenvolver ações de equidade entre homens e mulheres no ambiente de trabalho (inciso III), bem como programas de integridade (inciso IV).
Ainda no aspecto social, o legislador cuidou de prever especificamente a necessidade de a empresa contratada cumprir e comprovar, quando solicitada, o cumprimento da reserva legal de cargo destinados às pessoas com deficiência e reabilitados da Previdência Social (art. 116).
Em matéria de licitação, a questão trabalhista de maior relevância é a responsabilidade da Administração Pública por eventuais débitos trabalhistas decorrentes da relação entre a empresa contratada e os empregados envolvidos no serviço. O tema já foi objeto de algumas alterações legislativas, súmula do Tribunal Superior do Trabalho (súmula 331, inciso V), e até mesmo tema de repercussão geral no Supremo Tribunal Federal (tema nº 246).
Em síntese, a nova legislação incorpora o entendimento já consolidado na jurisprudência, instituindo, como regra, que apenas o contratado é o responsável pelos encargos trabalhistas. A Administração Pública será responsável subsidiária de encargos trabalhistas somente quando comprovar-se a falha desta na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais, e responsável solidária quando se tratar de débitos previdenciários (art. 121, §2º).
Neste ponto, cabe a reflexão de que houve um tratamento desfavorável do débito trabalhista, se comparado ao débito previdenciário. Na responsabilidade subsidiária, é preciso exigir a dívida primeiramente do devedor principal, e apenas depois do devedor subsidiário, o que não ocorre com a responsabilidade solidária, que permite exigir o cumprimento da obrigação por qualquer dos devedores.
Contudo, a responsabilidade subsidiária do ente público por débitos trabalhistas não ocorre em toda a qualquer contratação, mas “exclusivamente nas contratações de serviços contínuos em regime de dedicação exclusiva de mão de obra”. A definição deste tipo de serviço é dada por outros dispositivos da mesma lei (art. 6º, incisos XV e XVI), como sendo aqueles de manutenção da atividade administrativa, necessários de forma permanente ou prolongada, em que os empregados do contratado ficam nas dependências da Administração Pública à disposição desta, sem a possiblidade de compartilhamento dessa mão de obra com outro contrato, oportunizando o contratado a fiscalização dos recursos humanos alocados no contrato.
Assim, a princípio não haveria qualquer responsabilidade da Administração Pública em outros tipos de serviços, a exemplo dos não contínuos (art. 6º, XVII). Seguramente, o tema será objeto de discussão na jurisprudência, principalmente no que diz respeito à amplitude dos conceitos estipulados pela lei na classificação dos serviços.
A fim de assegurar o cumprimento das obrigações trabalhistas, a lei previu, para os serviços contínuos de dedicação exclusiva, a possibilidade de a Administração Pública exigir calção, fiança ou seguro-garantia, condicionar o pagamento da fatura à quitação de obrigações trabalhistas vencidas, e inclusive realizar o pagamento de verbas trabalhistas diretamente aos trabalhadores da contratada, deduzindo-as do valor devido ao contratado (art. 121, §3º). Durante a execução do contrato, sempre que solicitado, é obrigação do contratado, sob pena de multa, comprovar o cumprimento das obrigações trabalhistas à Administração Pública, a exemplo da exibição de registros de ponto, recibo de pagamento de salários, comprovante de depósito do FGTS, dentre outros (art. 50).
Além das medidas assecuratórias, a lei fixou como obrigação da Administração Pública a fiscalização da correta execução do contrato, a cargo de um ou mais fiscais de contrato designados especialmente para essa finalidade (art. 117).
Não obstante, foi também instituída como condição para a habilitação da contratada, a apresentação de declaração firmada por esta, informando que a proposta econômica realizada compreende integralmente os custos com despesas trabalhistas.
As inovações trazidas pela lei sobre a obrigatoriedade de fiscalização, e alternativas de garantia colocadas à disposição da Administração Pública, deverão repercutir na análise da responsabilidade do ente público por eventuais créditos trabalhistas, principalmente porque a lei não definiu a quem competiria provar a falha de fiscalização em eventual processo judicial. O tema, aliás, continua em aberto no STF, que inclusive já reconheceu repercussão geral sobre essa temática (Tema 1118), daí porque a matéria ainda deverá gerar debates na jurisprudência, à luz da nova legislação.
Por Douglas de Campos Souza