Segundo o Observatório de Saúde e Segurança do Trabalho, em 2021, doenças psicológicas já ocupavam a terceira posição dentre as causas de afastamentos previdenciários no Brasil1. Pesquisa do Ministério da Previdência Social indica que, em 2023, 288.865 trabalhadores brasileiros receberam benefícios do INSS por patologias comportamentais e psicológicas, superando em 38% as concessões de 20222. Com o crescimento desses números nos últimos anos, o Ministério da Saúde, no fim de 2023, retificou o rol de doenças do trabalho, no qual passaram a integrar, entre outras, as patologias mentais3.
É nesse cenário que o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), através da Portaria nº 1.419/2024, alterou a redação da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), responsável pelas regras gerais de gerenciamento de riscos ocupacionais4. Com a atualização, ela prevê medidas de avaliação e prevenção contra doenças psicossociais nos ambientes de trabalho, tais como episódios depressivos, transtornos ansiosos e burnout.
Agora, portanto, o gerenciamento de riscos ocupacionais deve ser feito não apenas quanto a condições mecânicas, físicas e químicas, como antes, mas, também, avaliando fatores relacionados à execução das atividades em si que atingem diretamente a saúde mental dos trabalhadores, tais como agendas sobrecarregadas e jornadas exaustivas, bem como relacionados ao ambiente laboral, tais como assédio moral e cobranças excessivas. O objetivo da Norma é que empregadores passem a identificar e erradicar circunstâncias que contribuem para o surgimento ou agravamento de patologias psicossociais no local de trabalho.
Por essa razão, as empresas devem traçar novas estratégias internas, sobretudo junto aos departamentos de saúde e segurança do trabalho, a fim de que observem à nova NR-1. Para tanto, na elaboração do Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), documento que formaliza a avaliação de doenças ocupacionais e em que constam estratégias para minimizá-las ou, se possível, extingui-las, deve-se investigar elementos presentes no trabalho que potencialmente prejudiquem a saúde psicológica dos funcionários, além de elencar medidas que serão adotadas em prol do seu bem-estar mental.
Dentre elas, a nova redação da Norma determina, além dos gestores em geral, a participação dos próprios trabalhadores nos processos de gerenciamento de riscos ocupacionais, o que pode ser feito mediante palestras, treinamentos, respostas de questionários etc., objetivando que todos possam identificá-los e tomar as providências necessárias, como a paralisação de atividades que representam risco ou o reporte ao superior hierárquico. A Norma também aponta a necessidade de colaboração entre organizações que atuam no mesmo local, a fim de que todos os trabalhadores estejam protegidos mentalmente. É o caso, por exemplo, da empresa terceirizada que presta serviços de limpeza ou de alimentação, cujos funcionários atuam no estabelecimento da empresa contratante.
Por fim, importante notar que essas mudanças podem impactar especialmente os empregadores inseridos em ramos econômicos que possuem alto número de funcionários com doenças psicossociais, uma vez que a nova redação determina que também seja avaliado se a função desempenhada, por si só, acarreta riscos psicossociais. Desse modo, empresas de Telemarketing, por exemplo (no Brasil, 30% dos teleoperadores sofriam com transtornos psíquicos em 2021)5, ou Bancos (embora representassem 1% dos trabalhadores com emprego formal no país, bancários eram 24% dos afastados por doenças mentais em 2023)6 precisam redobrar a atenção quanto à saúde mental dos seus colaboradores.
Portanto, é imprescindível que as empresas adequem suas políticas internas até 28 de maio de 2025, quando a alteração da NR-1 entrará em vigor, para que atendam aos novos parâmetros de saúde e segurança do trabalho instituídos pelo MTE, evitando fiscalizações administrativas, multas e ações judiciais sobre o tema.
Por Gustavo Mira Salles, advogado da área trabalhista de Barbosa Portugal Advogados.
Referências:
1. Transtornos mentais são a terceira maior causa de afastamento do trabalho no Brasil (https://www.trt13.jus.br/informe-se/noticias/transtornos-mentais-sao-a-terceira-maior-causa-de-afastamento-do-trabalho-no-brasil);
2. INSS: afastamento por saúde mental cresce 38% em um ano (disponível em: https://valor.globo.com/patrocinado/dino/noticia/2024/11/04/inss-afastamento-por-saude-mental-cresce-38-em-um-ano.ghtml);
3. Ministério da Saúde atualiza lista de doenças relacionadas ao trabalho após 24 anos (https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2023/novembro/ministerio-da-saude-atualiza-lista-de-doencas-relacionadas-ao-trabalho-apos-24-anos);
4. PORTARIA MTE Nº 1.419, DE 27 DE AGOSTO DE 2024 (https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-mte-n-1.419-de-27-de-agosto-de-2024-580778271);
5. Cerca de 30% dos teleoperadores têm transtornos psíquicos (https://www.terra.com.br/noticias/cerca-de-30-dos-teleoperadores-tem-transtornos-psiquicos,dae63c8446979a4f77a2a934b1c9ac2esce8o1v3.html#google_vignette);
6. Metas abusivas levam bancários a doenças mentais, aponta debate (https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2023/10/26/metas-abusivas-levam-bancarios-a-doencas-mentais-aponta-debate).