No último dia 19 de julho, a Medida Provisória 927/2020, a primeira publicada pelo Governo Bolsonaro para flexibilizar regras trabalhistas durante a pandemia do coronavírus, perdeu a validade por não ter sido votada no Senado Federal no prazo legal.
Embora esteja previsto na Constituição (art. 62, §3º) que o Congresso Nacional deve regular, por meio de decreto legislativo, as relações jurídicas já estabelecidas a partir da Medida Provisória não convertida em lei, isso não aconteceu em ocasiões anteriores, o que leva a crer que os decretos publicados devem igualmente também perder a vigência. Todas as flexibilizações com relação às férias, banco de horas, teletrabalho, antecipação de feriados, dentre outras, portanto, não devem valer mais.
Em resumo, com a caducidade da MP, desde o dia 20 de julho os empregadores não mais podem se valer daquelas regras para implementar novas medidas.
Abaixo, seguem alguns comentários sobre situações que foram objeto de regulação pela medida provisória:
Sobre as férias individuais, não será mais possível a antecipação (sem que tenha sido completado o período aquisitivo pelo trabalhador), o aviso com somente 48 horas de antecedência, o pagamento somente no 5º dia útil do mês subsequente, e o pagamento do adicional de um terço no prazo do 13º salário, segundo permitiam os artigos 6º, 8º e 9º da MP. Agora, voltam a valer a necessidade de aviso com o mínimo de 30 dias de antecedência, o pagamento integral das férias até dois dias antes de seu início e as demais regras do art. 134 e seguintes da CLT.
No caso das férias coletivas, voltam a valer a necessidade de comunicação com 15 dias de antecedência ao Ministério da Economia e sindicato da categoria e o período mínimo de dez dias de concessão, de acordo com o artigo 139 da CLT.
Para as férias já usufruídas durante a vigência da MP (entre 22 de março e 19 de julho de 2020), trata-se de ato jurídico perfeito, segundo as regras daquele período. Para as férias iniciadas até 19 de julho, é razoável interpretar que também se aplicam as regras da MP, inclusive para efeito de pagamento postergado das férias e do terço, ainda que no seu curso a MP tenha perdido a eficácia. São excluídas daquelas regras somente as férias cujo início tenho ocorrido a partir de 20 de julho.
O mesmo raciocínio se aplica à antecipação de feriados, antes permitida pelo artigo 13 da MP, podendo-se exigir a compensação de horas (sem a remuneração em dobro) somente para aqueles feriados cuja folga foi antecipadamente usufruída na vigência da medida provisória.
A principal flexibilização da MP, no tocante ao teletrabalho, consistia na possibilidade de instituição dessa modalidade de trabalho por ato unilateral do empregador, desde que o empregado fosse avisado com 48 horas de antecedência. O mesmo valia para o retorno às atividades presenciais, segundo regulado pelo artigo 4º da MP.
Com o fim da MP, é necessário que haja acordo entre empregado e empregador para instituição do teletrabalho, bem como prévio ajuste em contrato. Para efeito de retorno do teletrabalho para o trabalho presencial, é necessário assegurar ao empregado um período mínimo de 15 dias de transição (adaptação), de acordo com o artigo 75-C da CLT.
Os trabalhadores designados ao teletrabalho na vigência da MP, somente por ato do empregador, poderão continuar em tal condição.
Outra disposição prevista na MP era a possibilidade de teletrabalho para aprendizes e estagiários. Não há qualquer regulação em lei para o teletrabalho nessas categorias, mas também não há qualquer vedação legal, de modo que independentemente da MP, é possível justificar o teletrabalho para aprendizes e estagiários, desde que lhes sejam assegurados o acompanhamento e a supervisão da atividade prática realizada à distância, traço característico dessas relações com finalidades educacionais.
Durante a vigência da MP, era possível o acordo coletivo ou individual para constituição de banco de horas excepcional, com prazo de compensação em até 18 meses, a contar do início de 2021 (artigo 14 da MP).
A controvérsia, neste caso, reside no fato de o banco de horas ter seus efeitos prolongados no tempo, com destaque para a compensação futura das horas.
Com o fim da MP, somente as horas já computadas no banco durante a sua vigência, ou seja, até de 19 de julho, é que seguem o prazo de compensação estipulado na medida provisória, não mais havendo respaldo para novas compensações com prazo estendido.
Portanto, a partir de 20 de julho, as compensações de jornada por meio de banco de horas voltam a ser reguladas pela CLT, com prazo de 6 meses para compensação, se estipulada por acordo individual escrito (artigo 59, §5º, da CLT), ou com prazo de um ano, se acordada por meio de norma coletiva (artigo 59, §2º, da CLT). É preciso, portanto, nova pactuação individual, ou a pré-existência de regulação em norma coletiva.
A MP também permitiu a suspensão da realização de exames médicos admissionais e periódicos dos trabalhadores, assim como treinamentos presenciais, os quais poderiam ser realizados somente após o fim do estado de calamidade (a partir de 2021), observados os prazos previstos nos artigos 15 e 16 da MP.
Com a perda de eficácia da regra, os empregadores deverão se organizar para realização dos exames e treinamentos com a maior brevidade possível, já que não há mais autorização legal para justificar esses adiamentos.
Em relação à Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), o artigo 17 da MP possibilitava a prorrogação dos mandatos dos membros da comissão até o final do ano. Como a regra perdeu validade, os empregadores também precisarão se organizar para o processo eleitoral da CIPA, cujos mandatos estavam prorrogados, observados os prazos da NR 5.
Além dos referidos pontos, várias outras questões poderão suscitar dúvidas acaso não editado o decreto legislativo para regular os atos praticados na vigência da MP 927/2020, o que poderá provocar a judicialização dos os temas que foram objeto de flexibilização pela medida provisória.
*Por Douglas de Campos Souza
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