Barbosa Portugal Advogados

Em resposta à pandemia de Covid-19, tramitam pelo Congresso Nacional medidas emergenciais que buscam amenizar os impactos econômicos e sociais provocados pela crise.

De autoria do senador Antônio Anastasia, o Projeto de Lei nº 1179/2020 propõe normas de caráter transitório e emergencial, para regulamentar as relações de direito civil e comercial no atual cenário de crise, estabelecendo o dia 20 de março de 2020 como termo inicial dos eventos derivados da pandemia.

O Projeto de Lei, já foi aprovado no Senado Federal e na Câmara dos Deputados. Como foram apresentadas emendas pela Câmara dos Deputados, o projeto será objeto de nova votação pelo Senado, que irá validar ou não as alterações, antes da sanção presidencial.

Analisamos os principais pontos do Projeto:

 

Suspensão do prazo de desistência em casos de entrega domiciliar

Nas relações de consumo, o Projeto de Lei estabelece, em caso de entrega domiciliar de produtos perecíveis ou de consumo imediato e de medicamentos, a suspensão da aplicação do artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor, que prevê que o consumidor pode desistir da compra no prazo de 7 dias, a contar do recebimento do produto, sempre que a contratação ocorrer fora de estabelecimento comercial.

 

Suspensão de desocupação liminar nas ações de despejo

Em contratos de locação, a proposta é de que até 30 de outubro de 2020 não seja concedida liminar para desocupação de imóvel urbano em ações de despejo ajuizadas a partir de 20 de março de 2020 nos casos de:

  • descumprimento do acordo de desocupação;
  • rescisão do contrato de trabalho, quando a locação é relacionada ao emprego do locatário;
  • permanência do sublocatário, extinta a locação celebrada com o locatário;
  • término do prazo sem o oferecimento de nova garantia, quando extinta a fiança;
  • término do prazo da locação não residencial, desde que a ação tenha sido proposta em 30 dias do fim do contrato ou da comunicação do intento de retomada do imóvel;
  • falta de pagamento de aluguéis e acessórios nos contratos sem garantia.

Assim, em tais ações de despejo iniciadas durante a pandemia do novo coronavírus, apenas caberá liminar nas hipóteses de:

  • término do prazo da locação para temporada, em ações propostas em até trinta dias depois do vencimento do contrato;
  • morte do locatário que não tiver sucessor legítimo na locação, permanecendo no imóvel pessoas não autorizadas por lei;
  • necessidade de reparos urgentes no imóvel, determinados pelo poder público, que não possam ser normalmente executados com a permanência do locatário, ou, podendo, ele se recuse a aceita-los.

 

Suspensão dos prazos de usucapião

O projeto também altera questões relacionadas à usucapião, prevendo a suspensão dos prazos de aquisição da propriedade entre o início da vigência da lei e 30 de outubro de 2020.

 

Atribuição de competência extraordinária ao síndico de condomínio edilício

A proposta permite aos síndicos que estabeleçam restrições à utilização das áreas comuns, respeitado o acesso à propriedade exclusiva dos condôminos, e à realização de reuniões e festividades e uso dos abrigos de veículos por terceiros, inclusive nas áreas de propriedade exclusiva dos condôminos.

Tais restrições não se aplicam aos casos de atendimento médico, realização de obras de natureza estrutural, ou de realização de benfeitorias necessárias.

Ainda, a assembleia condominial e a votação poderão ocorrer por meios virtuais. Caso não seja possível realizá-las dessa forma, os mandatos de síndicos vencidos a partir de 20 de março de 2020 serão prorrogados até 30 de outubro de 2020.

Mantém-se a necessidade de prestação de contas pelo síndico durante o período, sob pena de destituição.

Previsão de prisão domiciliar por dívida alimentícia

O Direito de Família e Sucessões também sofrerá alterações em caso de aprovação do Projeto de Lei.

O projeto estabelece que os casos de prisão por dívida alimentícia serão cumpridos exclusivamente em regime domiciliar.

 

Ampliação de prazos em sucessão

Nos casos de falecimentos a partir de 1º de fevereiro de 2020, a abertura da sucessão terá seu prazo estendido para 30 de outubro de 2020, ficando suspenso até 30 de outubro de 2020 o prazo de 12 meses para encerramento do processo de inventário e de partilha. 

Restrições às reuniões e assembleias presenciais 

No que diz respeito à organização e atuação de pessoas jurídicas de direito privado, a proposta legislativa prevê que as associações, sociedades e fundações deverão observar as restrições de realização de reuniões e assembleias presenciais até 30 de outubro de 2020, possibilitando inclusive que assembleias sejam realizadas por meio remoto.

Vale recordar que o Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (DREI), vinculado ao Ministério da Economia, já estabeleceu regras para a participação e votação a distância em assembleias e reuniões de sociedades anônimas fechadas e sociedades limitadas.

 

Regras para revisão e rescisão de contratos

No âmbito das relações contratuais, excluídas as relações regulamentadas pelo direito do consumidor e pela Lei do Inquilinato, o projeto dispõe que as consequências decorrentes da pandemia do novo coronavírus, enquadradas no conceito de caso fortuito ou força maior, não terão efeito retroativo, ou seja, não abrangerão as obrigações vencidas antes do reconhecimento da pandemia.

Além disso, o projeto estipula que o aumento da inflação, a variação cambial, a desvalorização ou a substituição do padrão monetário não são considerados fatos imprevisíveis, aptos a justificar a revisão ou resolução de contratos por onerosidade excessiva ou por desproporcionalidade entre o valor da prestação devida e o momento de sua execução.

Ao que parece, pretende-se, além de evitar o desfazimento em massa de contratos, conter eventuais excessos causados pelo uso do caso fortuito e da força maior, garantindo-se o equilíbrio contratual entre as partes.

 

Alterações no Regime Concorrencial

Pelo projeto, algumas sanções por atos anticoncorrenciais praticados no período de 20 de março de 2020 até 30 de outubro de 2020, ou até quando durar o estado de calamidade pública, ficam suspensas.

Nesse período, práticas como a venda de mercadoria ou prestação de serviços abaixo do preço de custo, o encerramento parcial ou total das atividades de empresa e a prática de atos de concentração sem notificação ao CADE deixam de ser consideradas infrações concorrenciais.

Contudo, o projeto é claro em ressalvar que a suspensão da penalidade não afasta a possibilidade de análise posterior do ato de concentração ou de apuração de infração à ordem econômica, nos casos em que tais medidas não forem necessárias para evitar as consequências decorrentes da pandemia. Ou seja, caso o negócio realizado entre empresas não vise minimizar ou eliminar algum efeito indesejado da crise, ele será posteriormente apurado e, se for o caso, punido.

Na análise das demais infrações previstas na Lei de Defesa da Concorrência, desde que praticadas enquanto durar o decreto de calamidade pública, deverão ser consideradas as circunstâncias extraordinárias decorrentes da pandemia.

Aparentemente, a intenção do legislador, ao flexibilizar as regras anticoncorrenciais, foi contornar possível escassez de serviços e produtos, além de facilitar a realocação de recursos por parte das empresas prejudicadas pela crise sanitária.

 

Diminuição da porcentagem de retenção das empresas de transporte individual de passageiros e serviços de entrega

Em evidente intenção de proteger o prestador de serviços, o  projeto de lei determina que a empresa atuante no transporte individual de passageiros, ou nos serviços de entrega, deverá, até 30 de outubro de 2020, reduzir o percentual de retenção do valor das viagens ou entregas em 15%, quantia esta que deverá ser repassada ao motorista ou entregador.

A empresa fica proibida de aumentar o preço da viagem em virtude de tal redução, impedindo, assim, que o ônus seja repassado ao consumidor.

Em relação aos serviços e outorgas de táxi, as despesas incidentes sobre a prestação do serviço, tais como taxas, cobranças e aluguéis, deverão ser reduzidas em 15%.

 

Flexibilização das normas de trânsito relativas ao peso de veículos

O projeto de lei conta, ainda, com a determinação de que o Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN) edite normas que prevejam medidas excepcionais e temporárias de flexibilização dos limites de peso e lotação de veículos previstos no Código de Trânsito Brasileiro.

 

Prorrogação do prazo de vigência da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)

Finalmente, o projeto de lei prevê a prorrogação da data de vigência da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), prorrogando para 1º de agosto de 2021 a entrada em vigor dos artigos 52 a 54, que tratam da fiscalização e das sanções administrativas previstas na lei, e para 1º de janeiro de 2021 os demais artigos.

Essa medida, além de conferir maior prazo de adaptação para as empresas que tiveram seus projetos afetados pelas medidas de contenção do novo coronavírus, oportuniza à Administração Pública o adequado planejamento para implementação da LGPD.

Impedimento e suspensão dos prazos prescricionais e decadenciais

No tocante aos prazos prescricionais (aqueles que perdem a validade com o tempo), estabelece-se que serão impedidos ou suspensos, a partir da entrada em vigor da nova lei até 30 de outubro de 2020. No entanto, isso não se aplica enquanto perdurarem hipóteses específicas de impedimento, suspensão e interrupção dos prazos prescricionais já previstos na legislação brasileira.

Na esfera do direito civil, essa medida torna-se muito relevante, pois o Código Civil não prevê interrupção ou suspensão da prescrição em decorrência de caso fortuito ou força maior.

Impressões sobre o Projeto de Lei

As regras previstas no Projeto de Lei são de extrema importância para solucionar os conflitos que já surgiram e ainda surgirão em virtude da crise sanitária, econômica e política causada pela pandemia da Covid-19.

Preocupa, contudo, a demora na aprovação do projeto pela Câmara dos Deputados, pois a proposta prevê soluções necessárias no momento de pico da pandemia, de modo que, ainda que subsistam incontáveis danos a serem remediados após este período mais crítico, é certo que a norma perderá sua funcionalidade mais expressiva.

Sua rápida aprovação é imprescindível para garantir maior previsibilidade e segurança jurídica na solução das controvérsias e reduzir a judicialização de tais conflitos.

*Por Maria Júlia Cintra e Vanessa Ribeiro Pereira


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