Barbosa Portugal Advogados

O caos pandêmico desencadeado pelo novo coronavírus vem causando uma série de desdobramentos políticos, econômicos e sociais no mundo todo.

Diante do temor provocado pelo rápido contágio da Covid-19 e das orientações das autoridades para que as pessoas permaneçam em isolamento voluntário ou em quarentena obrigatória, gerou-se um ambiente de nervosismo, incerteza e temor no mundo dos negócios.

No Brasil e no mundo, empresas de todos os portes e segmentos vêm experimentando os reflexos políticos e econômicos da pandemia com prejuízos sem precedentes à cadeia produtiva.

Aqui, empresários estão diante de um cenário complexo, provocado por forte desvalorização do Real, atrasos em importações e exportações, falta de insumos para o desenvolvimento da atividade industrial, fechamento de fronteiras terrestres e restrições de circulação entre estados da federação. Muitas empresas tiveram de demitir empregados, antecipar férias e recomendar o trabalho em regime de home office.

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Com a decretação do estado de calamidade pública pelo Congresso Nacional, negociações e contratos são adiados, renegociados, suspensos, ainda que temporariamente, ou mesmo cancelados.

Surgem, daí, duas questões inevitáveis.

 Afinal, é possível invocar a pandemia como motivo de caso fortuito ou força maior para afastar o inadimplemento contratual? É possível pedir a resolução do contrato por onerosidade excessiva ou a modificação das condições do contratadas? 

 

ALEGAÇÕES DE CASO FORTUITO OU FORÇA MAIOR

A despeito de toda a controvérsia em torno dos conceitos jurídicos de caso fortuito e força maior, na prática tal distinção não tem importância.

Isto porque o direito brasileiro, no artigo 393 do Código Civil brasileiro, atribui a ambos um mesmo efeito: o devedor não responde pelos prejuízos provocados por caso fortuito ou força maior, salvo se tiver expressamente assumido tal responsabilidade:

Art. 393
O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.

Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.


Diante da pandemia, portanto, não há dúvidas quanto à possibilidade de sustentar que o descumprimento de determinada obrigação contratual se deu em razão de caso fortuito ou força maior.

Mas, em se tratando de crise de dimensões inéditas na História do Brasil, com consequências econômicas e sociais imprevisíveis, podemos esperar que a mera invocação da pandemia como motivo para descumprimento de obrigações contratuais não seja aceita no Judiciário e nos tribunais de arbitragem.

Além do notório estado de calamidade pública, o contratante deverá ter apoio noutros elementos que comprovem os reais impactos da pandemia sobre a obrigação descumprida, a inevitabilidade do descumprimento e a adoção de medidas reparadoras ou atenuadoras dos prejuízos causados à outra parte.

Outro ponto fundamental que devemos observar nesses casos é a data da contratação, que certamente servirá como parâmetro para avaliar a superveniência das circunstâncias que impediram o cumprimento da obrigação contratada.

Ou seja, contratos celebrados antes do surto de coronavírus serão mais suscetíveis a alegações de caso fortuito ou força maior; em contratos firmados quando já havia indícios de uma pandemia, as consequências de caso fortuito ou força maior certamente serão relativizadas, se não afastadas completamente. Devemos considerar, também, a data prevista para o cumprimento da obrigação, pois dívidas que já estavam vencidas antes da pandemia não estão sujeitas a alegações de caso fortuito ou força maior.

ALEGAÇÕES DE ONEROSIDADE EXCESSIVA

Em matéria de contratos, o direito brasileiro adota a teoria da imprevisão. Tal teoria relativiza a força obrigatória dos contratos, permitindo a intervenção judicial nos limites internos dos contratos e a mitigação de seus efeitos, modificando-os ou liberando o contratante prejudicado pelo desequilíbrio contratual.

Cabe destacar que apenas os contratos de execução prolongada ou de obrigações diferidas no tempo (ou parceladas) podem ser revistos à luz da teoria da imprevisão.

Nesses contratos, o cumprimento da obrigação é condicionado à persistência do mesmo cenário fático que havia por ocasião da celebração do negócio. Se, diante de uma alteração desse cenário, provocada por circunstância imprevisível, houver oneração excessiva de um dos contratantes e benefício injustificado para o outro, o prejudicado pode desobrigar-se do contrato, permitindo-se, ainda, a modificação de cláusulas com o objetivo de restabelecer o equilíbrio contratual.

Esta possibilidade tem amparo nos artigos 478, 479 e 480 do Código Civil:

Artigos 478, 479 e 480

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato.

Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.

A extensão e as consequências da pandemia são imprevisíveis. Por isso, é razoável supor que obterá a resolução ou a revisão dos contratos o contratante que demonstrar de forma contundente e precisa o impacto da crise e conseguir quantificar o ônus excedente em decorrência dessa situação, com vantagem considerável à outra parte.

Enfatizamos a demonstração contundente e precisa da onerosidade excessiva porque o histórico da teoria da imprevisão no Brasil remonta a um período de maior intervencionismo do Estado nas relações entre particulares, como quando o governo federal resolveu abruptamente adotar uma política de câmbio flutuante no final da última década de 90.

Naquela conjuntura, diversos contratos tinham seus preços atrelados à cotação do dólar, o que levou a uma enxurrada de pedidos de resolução e revisão como consequência da desvalorização do Real. Desde então, o Superior Tribunal de Justiça tem restringido a aplicação da teoria da imprevisão a eventos não cobertos pelos riscos do contrato e firmou o entendimento de que alterações na realidade econômica (por aumento da inflação, por exemplo) não são fatos imprevisíveis.

O momento atual é outro, sobretudo porque a Declaração de Direitos da Liberdade Econômica (Lei Federal nº 13.874/2019) promoveu modificações de cunho liberal que impactam significativamente na forma de interpretação dos contratos, impõem presunção de simetria entre as partes, exaltam a livre iniciativa e a prevalência do combinado sobre normas que não sejam de ordem pública. Mais do que isso, a lei expressamente estabeleceu a intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual como princípios norteadores das relações contratuais.

Podemos prever, portanto, que o contratante que acionar o Judiciário com o propósito de resolver ou modificar contratos em razão de onerosidade excessiva terá chances de sucesso somente nos casos em que conseguir inequivocamente comprovar e dimensionar os efeitos adversos da pandemia sobre a obrigação contratada.

RECOMENDAÇÕES PARA CONTRATOS EM ANDAMENTO

Diante das incertezas causadas pelo estado de calamidade pública, a primeira medida para mitigar prejuízos contratuais é a renegociação, pelas partes, dos parâmetros contratados. Tal processo, bem conduzido, pode evitar disputas judiciais no futuro. Por outro lado, como sempre existe o risco de litígio, é fundamental documentar todas as comunicações e medidas adotadas durante a gestão de crise, reunindo o melhor conjunto de provas possível.

É indispensável, nesta situação, o envolvimento de uma assessoria jurídica séria e qualificada, que contribua para a melhor tomada de decisões e, sobretudo, atue com o objetivo de reduzir riscos futuros e prevenir litígios. Afinal, quanto maior o sucesso da gestão de crise, menores as chances de ações judiciais no futuro.

RECOMENDAÇÕES PARA NOVOS CONTRATOS

No cenário atual, na negociação e na celebração de novos contratos, as partes devem avaliar todos os cenários que podem afetar o negócio. Para tanto, princípios como o da boa-fé e função social do contrato deverão permear a relação e as discussões pré-contratuais.

O novo contrato deve conter, além das disposições que seriam contratadas dentro de uma situação de normalidade, cláusulas que definam com clareza regras transitórias a serem seguidas enquanto persistir a atual pandemia de Covid-19. Além disso, é fundamental incluir cláusula que preveja as consequências de caso fortuito ou força maior, com a finalidade de estabelecer as regras e os critérios a serem observados caso novos eventos dessa natureza voltem a acontecer durante a vigência do novo contrato.

*Por Jonas Fanton

 

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