Publicado em novembro deste ano, o Decreto 10.854/2021 tratou de diversos temas trabalhistas no intuito de simplificar e desburocratizar a legislação. Dentre esses, instituiu relevantes alterações no Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT)*, que contempla o vale-alimentação e o vale-refeição.
O PAT é um programa que existe há muito tempo (Lei 6.321/76), criado com o objetivo de incentivar as empresas a concederem alimentação em condições nutricionais adequadas a seus empregados, já que pela CLT o empregador não é obrigado a prover alimentação a seus trabalhadores.
Ao se inscrever no programa, o empregador fornece alimentação através de serviço próprio (refeitórios), da distribuição de alimentos, ou por meio de empresas credenciadas de alimentação coletiva (operadoras de cartões de alimentação), priorizando os trabalhadores de menor renda (que ganham até 5 salários-mínimos). Tal ação tem como contrapartida um incentivo fiscal por meio da dedução do dobro do valor gasto com alimentação no imposto de renda da pessoa jurídica tributada pelo lucro real, limitada a 4% do imposto devido.
Conheça as principais mudanças para o vale-refeição e vale-alimentação.
Para os trabalhadores, as mudanças promovidas pelo decreto permitirão o uso mais flexível do benefício, e podem até resultar num aumento real do poder de compra.
A nova regra determina que as operadoras contratadas para o fornecimento de tickets e vales promovam a “interoperabilidade”, ou seja, os estabelecimentos cadastrados para o recebimento de vale-alimentação e refeição não poderão fazer distinção entre as bandeiras (VR, Ticket, Alelo, Sodexo, etc.), o que na prática vai permitir que o trabalhador utilize o benefício em um número maior de estabelecimentos, e possa escolher os locais de acordo com a conveniência e o custo, sem ficar restrito aos locais de aceitação da bandeira contratada por seu empregador.
Ao trabalhador, ainda, será oportunizada a portabilidade do crédito (mudança da bandeira), mediante solicitação ao empregador, sem o pagamento de taxas.
O decreto também impõe limites aos empregadores ao contratar os benefícios junto às operadoras de cartões, proibindo que eles exijam ou recebam um desconto sobre o valor contratado (o chamado rebate), ou negociem prazos de repasses que descaracterizem a natureza pré-paga do benefício (os valores devem estar acessíveis no cartão do empregado desde logo).
Por exemplo, ao contratar R$ 10.000,00 de vale-alimentação para seus empregados, o empregador não mais poderá obter um desconto de 5% e pagar somente R$ 9.500,00 à operadora do benefício, pois na prática essa diferença de custo é repassada pelas operadoras aos estabelecimentos credenciados através de taxas e comissões expressivas, o que acaba por diminuir a rede a estabelecimentos que aceitam essa forma de pagamento, além de resvalar no custo final da alimentação cobrado pelo estabelecimento.
As regras sobre a ampliação da rede das operadoras e a opção de portabilidade pelo empregado somente começarão a valer 18 meses após a edição do decreto, de modo que haverá um período de adaptação pelas empresas desse mercado.
A principal mudança para as empresas, referente ao vale-refeição e vale-alimentação, consiste na limitação do benefício fiscal do PAT. De acordo com a nova regra, apenas poderão ser deduzidos do imposto de renda os gastos com alimentação de trabalhadores que ganham até 5 salários-mínimos, limitada a dedução de no máximo um salário-mínimo por trabalhador, ainda que o benefício seja superior a essa quantia (art. 186 do Decreto 10.854/2021).
Para fins de dedução, a empresa somente poderá computar todos os trabalhadores (independentemente da faixa salarial) quando possuir serviço próprio de refeição ou distribuir alimentos por meio de empresa fornecedora de alimentação coletiva (cestas básicas, por exemplo). Dessa maneira, o empregador não poderá conceder vale-alimentação ou refeição se quiser levar em consideração os gastos com todos os trabalhadores na hora de deduzir a despesa no imposto de renda, e mesmo assim, só poderá deduzir o máximo de um salário-mínimo por trabalhador.
Pela regra anterior, o incentivo fiscal não era limitado por faixa-salarial, forma de concessão da alimentação, ou mesmo havia teto de dedução por trabalhador, o que poderá acabar desestimulando a adesão ao PAT pelas empresas.
Desde a reforma trabalhista em novembro de 2017, o vale-alimentação e o vale-refeição deixaram de ter natureza salarial pela lei (não geram reflexos salariais), o que até então somente era possível através de normas coletivas.
Então, como a CLT já autoriza o fornecimento de alimentação sem conotação salarial, a redução do incentivo fiscal do PAT pelo decreto poderá desencadear um movimento de desvinculação do programa pelas empresas, para que possam buscar descontos na aquisição dos benefícios de alimentação junto às operadoras (já que o rebate foi vedado apenas no PAT), como forma de compensar o aumento do gasto com imposto de renda, que agora não terá a mesma dedução de antes.
*As mudanças contempladas pelo decreto apenas se aplicam aos benefícios de alimentação concedidos por empresas inscritas no PAT, ou seja, não abrange todo e qualquer vale-alimentação ou refeição.
Por Douglas de Campos
Tire suas dúvidas com profissionais especializados e especializadas. Entre em contato com nosso escritório.