Barbosa Portugal Advogados

Inspirada no Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados da União Europeia (GDPR), a Lei 13.709/2018, também denominada de LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) cria regras para a proteção e tratamento de dados de pessoas físicas, visando respeito aos direitos fundamentais (liberdade e privacidade), garantia de maior segurança jurídica às relações, além de adequar o Brasil à uma tendência mundial de regulação, possibilitando a livre concorrência entre as empresas no mercado interno e externo.

Embora a LGPD não regule de modo específico a sua aplicação às relações trabalhistas, é grande o seu impacto nessa área em razão do intenso fluxo de dados que ocorre nas relações de trabalho, desde os processos seletivos de admissão até o momento posterior ao desligamento do trabalhador. Ainda que as multas e penalidades previstas na lei apenas comecem a valer a partir de 01 de agosto de 2021, ela já se encontra em vigor desde 18 de setembro de 2020, de modo que eventuais danos causados a trabalhadores pelo tratamento inadequado de dados já podem ser objeto de ações judiciais.

Conceitos gerais da LGPD aplicados às relações trabalhistas

O titular de dados é o trabalhador, e o empregador ou tomador do serviço assume a figura do controlador desses dados, ou seja, aquele que trata o dado, realizando qualquer ação com as informações obtidas do trabalhador (coleta, armazenamento, compartilhamento etc.).

A lei diferencia dados pessoais de dados sensíveis (art. 5º, I e II). Dado pessoal é qualquer dado ou informação relacionada ao titular, que o permita identificar o trabalhador (tal como número do CPF, RG, endereço). Dado pessoal sensível é aquela informação que de alguma maneira pode gerar uma situação de discriminação ou desvantagem ao trabalhador, tais como filiação sindical, origem racial, dado referente à saúde ou vida sexual, convicção religiosa, entre outros.

O tratamento de dados regulado pela LGPD não se restringe a documentos e informações pessoais do trabalhador, mas abrange outros tipos de informações como por exemplo o monitoramento de e-mail corporativo e o registro de imagens do trabalhador no ambiente de trabalho.

Nas relações de trabalho, a aplicação da LGPD ganha contornos ainda mais importantes pela desigualdade de condição existente entre empregado e empregador, e a dependência do trabalho como fonte de sustento. Neste contexto, não basta que o empregador colha o consentimento do empregado para justificar o acesso ou armazenamento de dados, já que esse consentimento não terá sido livremente manifestado na maioria das vezes, mas concedido pela necessidade de manutenção do emprego.

Relações transparentes

Portanto, ao tratar dados de trabalhadores, o empregador precisará justificar esse tratamento em uma das situações permitidas pela LGPD (as chamadas bases legais), sendo mais comum o tratamento para cumprimento de obrigações legais, execução do contrato de trabalho, exercício regular de direito e legítimo interesse. De forma um pouco mais restrita, também será possível tratar dados com base no consentimento.

De maneira geral, o trabalhador tem o direito de saber quais dados foram coletados, a finalidade, forma e duração do tratamento, assim como consulta facilitada e gratuita aos dados armazenados, inclusive para efeito de atualização e correções. Os empregadores, por sua vez, apenas poderão utilizar os dados para as finalidades especificadas, coletando o mínimo necessário para o alcance de cada objetivo, além de responsabilizar-se pela segurança no tratamento desses dados.

LGPD no Recrutamento

No processo de recrutamento e seleção, o candidato à vaga de trabalho já transmite dados pessoais. Para evitar riscos, o empregador deve obter o mínimo de dados possíveis, apenas para averiguar a compatibilidade do perfil técnico com a função a ser contratada, e geralmente não se deve coletar dados sensíveis (salvo algumas exceções), pois podem gerar discriminação entre os candidatos. O candidato precisa ser informado e autorizar o tratamento de dados durante o processo seletivo, e caso haja o armazenamento de currículo de candidato não selecionado, deve haver concordância do interessado, inclusive para efeito de compartilhamento com terceiros, pois do contrário os dados precisam ser descartados.

LGPD durante o contrato de trabalho

Durante o contrato de trabalho, diversos dados do trabalhador precisam ser tratados pelo empregador para cumprimento de obrigações legais e para a própria a continuidade do contrato de trabalho (por exemplo, envio de informações ao INSS e Caixa Econômica Federal) incluindo dados sensíveis (dados biométricos, utilizados em alguns relógios de ponto, e dados relativos à saúde, provenientes de atestados médicos e exames ocupacionais). Até mesmo dados de terceiros podem se fazer necessários, como dados de familiares do trabalhador para efeito de imposto de renda, salário família, compartilhamento com operadoras de saúde, seguradoras etc.

Em cada caso, o empregador precisará se ater à necessidade e finalidade de cada coleta, de acordo as hipóteses permitidas pela LGPD, sempre de forma transparente e informada ao trabalhador, cuidando de colher prévio o consentimento nas situações em que não for possível outro enquadramento legal.

LGPD após rescisão do contrato de trabalho

Após o término do contrato de trabalho, ainda assim a LGPD impõe cuidados, pois de um lado é preciso eliminar os dados coletados, e por outro, a própria lei assegura o direito à conservação de alguns dados para efeito de fiscalização do trabalho ou mesmo para resguardar direitos em futuras demandas judiciais. É comum, portanto, a guarda de determinados documentos pelo prazo prescricional de até 5 anos após a extinção do contrato, ou até mesmo por prazos maiores no caso de informações relacionadas à saúde e meio ambiente do trabalho, sendo assegurado ao trabalhador a informação sobre os dados que ainda serão armazenados.

Considerando todas essas implicações, os empregadores precisarão criar procedimentos internos para adequação à LGPD com o auxílio de recursos de tecnologia da informação, de acordo com a realidade de cada qual. Dentre as adequações, pode-se destacar o levantamento do banco de dados existente, revisão de cláusulas contratuais, adoção de políticas, controles de acesso a dados, e treinamento dos colaboradores que ficarão responsáveis pelo tratamento. Além do enquadramento legal, os empregadores precisarão demonstrar que adotam medidas eficazes e seguras no tratamento de dados, a fim de evitar sanções e prevenir incidentes envolvendo o vazamento de dados.

 

*Por Douglas de Campos Souza.

 


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