A atípica situação de pandemia e o isolamento social preconizado pela grande maioria dos países como única medida atualmente eficaz para frear a disseminação do vírus COVID-19 geraram um cenário inusitado, em que muitos namorados ou até mesmo ex-casais optam por “quarentenar” juntos, debaixo do mesmo teto.
Dessa nova conjuntura, muito se tem discutido no meio jurídico a respeito do vínculo jurídico existente nessas condições.
Afinal de contas, o fato de um casal de namorados optar por conviver juntos ao longo de meses é suficiente para se deflagrar hipótese de união estável (prevista no art. 1.723 do Código Civil)? Ou podemos estar diante de uma simples relação de namoro?
A grande questão a ser esclarecida diz respeito aos elementos que configuram a união estável, uma vez que a redação da lei (o já mencionado art. 1.723 do Código Civil) é bastante genérica, ao estabelecer que: “é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.
Primeiramente, a união estável só é possível entre dois seres humanos (o que parece óbvio, mas que, por incrível por pareça, pode às vezes ser questionado). Não existe, assim, união estável entre ser humano e coisas (dentre as quais se englobam, para fins jurídicos, os animais).
Se a lei fala que essa relação há de ser travada entre “homem” e “mulher”, o STF, no julgamento da ADI 4277 e da ADPF 132, já decidiu que tal proteção legal se estende também aos casais homoafetivos
Por segundo, o relacionamento entre esses dois sujeitos (não havendo, no atual cenário normativo-jurisprudencial o acolhimento das uniões poliafetivas, ou seja, entre mais de duas pessoas) há de ser público, contínuo e duradouro.
Vislumbre-se, pois, que a lei não fala mais (como o fazia antigamente) em tempo mínimo de relacionamento. Noutras palavras, não importa o tempo, mas sim a qualidade (natureza) de relação afetiva consolidada, que há de ser séria, firme e agregada, principalmente, do objetivo de constituição de “família”.
Bom, para além de melhor fixar os contornos do instituto da união estável é preciso, também, distingui-lo do mero namoro.
Se a relação havida entre dois indivíduos possui o objetivo de constituição efetivo de uma entidade familiar, quer pelo tratamento dispensado entre os enamorados, quer pelo reconhecimento social gerado em função desse tratamento, estaremos diante do fenômeno da união estável.
Por outro lado, se a relação externada entre um casal é de mero afeto, sem a existência de vínculo notório, de um claro objetivo de constituir uma família e de assumir as responsabilidades inerentes a esse vínculo (fidelidade recíproca, vida em comum, mútua assistência, respeito e considerações mútuos…) dentre outros (vide deveres do casamento, dispostos no art. 1.566 do CC), então o caso é de mero namoro.
Assim, para melhor se afixar no quadro mental a distinção entre esses institutos (namoro e união estável), trazemos o trecho de importante decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça sobre o tema: “Na relação de namoro qualificado os namorados não assumem a condição de conviventes porque assim não desejam, são livres e desimpedidos, mas não tencionam naquele momento ou com aquela pessoa formar uma entidade familiar. Nem por isso vão querer se manter refugiados, já que buscam um no outro a companhia alheia para festas e viagens, acabam até conhecendo um a família do outro, posando para fotografias em festas, pernoitando um na casa do outro com frequência, ou seja, mantêm verdadeira convivência amorosa, porém, sem objetivo de constituir família” (STJ, REsp 1.263.015/RN, 3ª Turma, Rel. Min Nancy Andrighi, julgado em 19/6/2012, DJe 26/6/2012).
Questão final que surge, porém, é: existe alguma providência passível de ser tomada pelos casais que queiram, nesse período atípico, tornar juridicamente clara a condição em que convivem com seu par?
A resposta é sim. Aos que queiram assegurar que a relação existente configura espécie de namoro, é possível a celebração de um contrato de namoro; porém, se o que o casal pretende mesmo é constituir uma família, atraindo para si os direitos e deveres indissociáveis à figura da união estável, então o caminho mais indicado é a lavratura de uma escritura-pública de união estável, perante qualquer Cartório de Notas.
*Por Bruno Reis Pinto