Na última terça-feira (29/08), a empresa 123 Milhas, do segmento de turismo e viagens, ingressou com pedido de recuperação judicial, informando um débito de aproximadamente R$ 2.308.724.726,25 (dois bilhões trezentos e oito milhões e setecentos e vinte e quatro mil e setecentos e vinte e seis reais e vinte e cinco centavos) e pedindo liminar para concessão do período de blindagem patrimonial antecipado.
O pedido ocorreu pouco tempo após a notícia de suspensão da emissão das passagens aéreas adquiridas pelo site da 123 Milhas na área Promo 123, previstas para os meses de setembro a dezembro de 2023, além de relatos de centenas de demissões dentro da própria companhia.
Diante das notícias, muitos viajantes propuseram ações contra a empresa por se sentirem prejudicados pelo repentino cancelamento de suas viagens. Entretanto, as medidas já indicavam uma possível crise financeira da 123 Milhas, o que culminou com o pedido de recuperação judicial, que trouxe uma relação de credores abrangendo, em um cálculo inicial, mais de 700 mil pessoas.
Ontem (31/08), houve a primeira decisão no processo, que deferiu o processamento da recuperação judicial da 123 Milhas e nomeou Administradores Judiciais para acompanharem os trabalhos.
Em trecho da decisão, destacou-se a justificativa para a concessão: “O instituto da recuperação judicial destina-se a viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica, como prevê o artigo 47, da Lei n° 11.101/2005”.
Percebe-se que a recuperação judicial é um recurso utilizado por empresas que estão em crise financeira, permitindo que continuem no mercado enquanto negociam as dívidas com os credores, sendo, de fato, medida extrema tomada no intuito de evitar a falência, quando a empresa demonstra certa impossibilidade de arcar com suas obrigações.
Houve, também, a ordem de suspensão de todas as ações e execuções contra a 123 Milhas por 180 dias, seguida da declaração de impossibilidade imediata de pagamento dos créditos sujeitos à Recuperação Judicial. A suspensão – chamada de stay period – é um período de blindagem que pode durar de 180 a 360 dias para que a empresa possa se reestruturar, havendo a suspensão de todas as ações e execuções existentes contra ela e, também, a proibição de penhoras, buscas e apreensões ou constrições judiciais em bens da empresa.
Destaca-se que apenas as ações que discutem quantias ainda ilíquidas poderão ter prosseguimento durante o período de blindagem patrimonial.
Por outro lado, o Juiz determinou a apresentação, em 48 horas, de planilha de credores para a confecção do edital de chamamento, contendo todos os créditos sujeitos à Recuperação Judicial, ou seja, todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.
Com a publicação do edital, os credores terão o prazo de 15 (quinze) dias para apresentar à Administração Judicial suas habilitações ou divergências quanto aos créditos relacionados na lista de credores.
Ressalta-se que somente após a publicação do edital é que eventuais impugnações ou habilitações de créditos deverão ser direcionadas ao Juiz. As habilitações e impugnações deverão ser realizadas em processos separados, na categoria de incidentes processuais, a fim de não gerarem tumulto no processo principal de recuperação.
Assim, a partir de agora, a 123 Milhas terá aproximadamente 2 meses para apresentar um plano de recuperação judicial, prevendo opções de pagamentos para quitação de suas dívidas. Segundo determinação judicial, o plano deverá conter medidas de reparação ao universo dos credores consumidores pelos danos causados em todo o território nacional.
Os credores, nesse caso, serão convocados para uma Assembleia Geral, a ser realizada de maneira presencial e/ou virtual, para votarem sobre as condições e aprovação ou não do plano de pagamento.
Ainda, entidades de defesa do consumidor e de órgãos públicos foram autorizadas a intervir no processo como amicus curiae (em livre tradução: amigo da corte), podendo apresentar sugestões, requerimentos e pedidos de audiências públicas.
Os trabalhadores demitidos deverão ser incluídos como credores trabalhistas, com prioridade no recebimento e os consumidores dos pacotes de viagens serão classificados como credores quirografários, em razão da natureza do contrato. Diante da prioridade concedida pela lei, os pagamentos dos consumidores serão realizados somente após a quitação de todos os créditos trabalhistas e tributários da 123 Milhas.
Em caso de dúvidas ou necessidade de assessoria jurídica sobre recuperação judicial, consulte nosso time de especialistas.
Por Mariana Gabrielloni Pó e Gabriela Gomes de Oliveira.
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